Thursday, December 6, 2012

Galeto e outras aves

Galeto
   Como todos sabem, sou médico veterinário, e a maioria das pessoas acham que, por ser veterinário, deveria entender de todos os animais, inclusive, alguns ainda acham que devo tratar nós, bípedes humanos. Mas não, a minha formação e especialização é apenas em cães e gatos. As aves para mim, até uns dois meses atrás eram seres bípedes como nós, mas para viverem livres ou nos alimentar. Na verdade, confesso que as aves para mim eram apenas para serem abatidas para me alimentar. Pouco reparava em aves de vida livre, muito menos os engaiolados.

Duda com o Galeto
   Até que um dia, a minha filha Duda resolveu que queria uma calopsita de aniversário. Não imagino o porquê, mas a mãe concordou com isso e pediu uma para o pai de uma amiga dela que cria esses seres alados. Foi escolhido um a dedo pelo veterinário da Prosilvestres, Dr. Júlio, que coletou material para sexagem, pois aparentemente um macho dá menos problemas do que as fêmeas, que invariavelmente são criaturas que ovulam e, no caso das aves e répteis, viram ovos que podem ficar retidas causando alguns problemas que os veterinários de silvestres adoram resolver. Foi então escolhido um macho de plumagem cinza com pintas amarelas. No início, eu fiquei ressabiado com a história de ter uma ave em casa, pois o meu histórico com aves se resume a, novamente, comida e três aves do tipo pet. E essa experiência com aves pet foram as piores possíveis, para mim e para eles.

   A minha primeira ave pet que tive, segundo relatos da minha mãe, foi um pombo desses de rua, que não sei por que a minha mãe catou em algum lugar, quando eu tinha tipo 3 ou 4 anos de idade e o guardava em um carrinho de feira, desses feito de arame. Segundo a dona Helena, eu tinha certo nervoso daquele bicho alado que morava num carrinho de feira e achava que ele era algo sujo (o que, de fato, não estava totalmente errado, mesmo com 3 ou 4 anos) e, cada vez que o via, jogava um balde de água supostamente para lavá-lo. Resumo, cada vez que o via, chuáááá, o pobre coitado levava um banho compulsório. Até que a minha mãe deve ter se dado conta da insanidade que fez e resolveu soltar em alguma praça pública de São Paulo. Talvez na mesma que ela catou. Isso também deve ter a feito repensar na ideia de ter outro filho.

   A segunda ave pet eu já devia ter uns 11 anos e, sempre que ia para as aulas de japonês no centro, aos sábados, passava em frente a uma daquelas lojas de ração, que serviram de rascunho para as pet shops atuais. E via aquelas gaiolas horizontais lotadas de pintinhos. Juntei uns caraminguás por muito tempo até ter o suficiente para comprar um desses pintinhos. Confesso que não me lembro muito bem o que a minha mãe falou quando cheguei em casa com uma pseudo galinha ou galo, pois quando há uma estridência na voz das pessoas histéricas, meu cérebro simplesmente bloqueia o que é dito. Talvez porque meus ouvidos não consigam ainda escutar sons que apenas os cães conseguem ouvir. E o tal pintinho chamado de Tiquinho (puxa, que nome mais original...), morou lá em casa por alguns meses e já começava a trocar a penugem por uma plumagem de frango. E um belo dia (claro que não era um belo dia, foi um dia horrível) eu pisei nele sem querer e agonizou por algum tempo até morrer. Fiquei arrasado. Lembro até hoje que minha mãe me levou ao Shopping Rio Sul para me distrair um pouco. Até entrar num fliperama (aos mais novos, Google it) que era algo terminantemente proibido para mim ela deixou.

   A terceira experiência foi a mais breve. Devia ter uns 14 anos e já tinha um gato alucinado em casa. Mas botei na cabeça que deveria ter um periquito, pois um amigo do colégio tinha um tuim (parece um papagaio miniatura, bem manso). Não me lembro de fazer uso de qualquer medicamento lícito ou ilícito que pudesse me causar esse tipo de alucinação a ponto de comprar um. Perto de onde eu morava, numa galeria tinha outra dessas lojas de ração pré pet shop que sempre tinha um gaiolão cheio de aves diversas. E resolvi novamente juntar uns trocos e mesadas para conseguir comprar um periquito. Lembro perfeitamente o dono da loja, um senhor magro e alto (ok, alto para mim não é um bom parâmetro) e que tinha um bigode parecido com o do seu Madruga. Aliás, ele era um sósia perfeito do seu madruga, exceto que ele não usava nenhum boné azul. E voltei para casa com um periquito desses verde e amarelo (mas que também poderia ser um amarelo e azul claro) dentro de um saquinho de papel pardo, desses de colocar pão, com uns buracos para que o bicho pudesse respirar e a parte de cima torcida para fechar. Ao chegar em casa, fui soltar e a surpresa! O bicho era bravo e saiu me bicando. E bicada desse bicho dói! O bicho voando pela casa, o gato tentando pegar o periquito e eu fugindo desse ser antissocial e agressivo até que ele entrou no banheiro e eu fechei a porta. O gato tentando pegar o periquito e eu tentando fugir dele. Só que ele entrou atrás do vaso sanitário, que normalmente tem um buraco e daí, não conseguia mais pegá-lo. Não me lembro bem como minha mãe conseguiu pegar o periquito, pois novamente ela emitia uns sons cuja frequência saía da faixa auditiva humana. E no dia seguinte, ela foi devolver o bicho pra loja onde havia comprado. Desde este dia, aves para mim era apenas comida.

   E algumas décadas depois, chega em casa este serzinho emplumado com um topete imponente que foi carinhosamente chamado de Galeto.

   O mais interessante é que aparentemente ele me escolheu como dono. Compramos uma gaiola grande, brinquedos, ração e mistura de sementes e potes para água e a comida. Teoricamente, a Duda deveria ser a responsável por ele, trocando água e comida e o jornal do fundo da gaiola todos os dias, mas ela ainda é muito pequena e acabou sobrando para mim. Durante umas duas semanas, ele estava lá feliz na gaiola, era tirado para brincar fora comigo e com as crianças e eu achava que ele estava bem. Mas um dia, quase no fim do dia a babá me liga desesperada dizendo que o “passarinho” da Duda tava mole e sem se levantar. Voei para casa, e quando o peguei deitado na gaiola vi que ainda estava vivo e voltei correndo para a clínica para ser atendido pelos veterinários da Prosilvestres. Como havia o relato de que a Duda tinha passado a tarde inteira brincando com ele e ele não comeu por isso, achava que poderia ser uma hipoglicemia absurda e fiz a Duda ir comigo para ver o atendimento.

   A primeira veterinária que o avaliou, a Dra. Loide, olhou para o Galeto com olhos tristes, preocupados, quase desanimados e disse de forma tão meiga: - PUTA QUE PARIU... E começou o tratamento. Soro, vitaminas, glicose e antibióticos mil para que ele reagisse. Até que ele começou a dar sinais de vida novamente. Tinha passado a primeira noite com o outro veterinário, Dr. Rafael. Ele ainda está internado, mas apenas para ganhar peso e terminar o ciclo de antibióticos. Quando ele chegou em casa pela primeira vez, ele estava com 77 gramas. No dia da crise ele estava pesando 54 gramas! Estava desnutrido e desidratado ao extremo. Hoje, ele já ganhou peso e está com 86 gramas, por alimentação forçada por sonda durante vários dias até ele voltar a comer sozinho. O importante nessa confusão é que eu, num primeiro momento, achava que a culpa era da Duda, mas na verdade, a culpa era minha, pois como nunca tinha tido uma ave, não tinha ideia de como saber se ele estava se alimentando ou não. Eu o via enfiando a cara no potinho com as sementes e rações e achava que ele estava comendo e na verdade ele deve ter passado vários dias sem se alimentar e, consequentemente sem beber água também. Quando me informaram que o caso era decorrente de vários dias, pedi desculpas a Duda. A culpa era toda minha pela minha ignorância com animais que não cães e gatos.

   Ele já está na internação há mais de um mês e já próximo da alta clínica. É um bicho fascinante. Desde antes de ficar doente, ele já reconhecia a minha voz e ao ouvir ele começava a piar até que eu o pegasse. E isso não mudou. Chego à clínica e lá de baixo ele fica piando até eu aparecer para ficar com ele. E quando a Duda fica com ele, ele não sossega, fica agitado, inquieto e deixa a pobre criança frustrada... Durante a internação, eu ficava assobiando o hino do Palmeiras. E não é que hoje, quando eu o ignoro, ele começa a ensaiar o hino? Ainda tá aprendendo, mas dá pra perceber a entonação diferente para chamar a atenção.

   Um dia desses, a Raphaela foi na internação pegá-lo para ficar um pouco com ele e ele foi na boa. Até me ver. Assim que me viu, ficou se jogando até vir pro meu ombro. Uma vez no meu ombro, a Raphaela o chamava pra voltar pra ela e ele simplesmente virava a cara pra ela! E quando ela esticava o dedo pra ele empoleirar, ele empurrava o dedo dela com o bico. Faz isso porque sabe que a mulé é braba. Hoje, a Duda tentou ficar com ele, mas ele sempre voltava para mim. A Duda tentava fazer carinho e ele bicava o dedo dela! Até outras pessoas desconhecidas para ele que tentavam apenas fazer carinho nele, ele bicava!

   Embora algumas pessoas insistam em chamá-lo de galináceo topetudo, Neymar e outras coisas, é um psitacídeo. E para lembrar é fácil: Ele é um caloPSITAcídeo.

   Nunca pensei que fosse ser tão querido por uma ave, que até então era basicamente sinônimo de comida. Deu fome e acho que vou devorar um galeto por aí. Um galeto, não o Galeto.