Friday, October 1, 2010

Hospital Jesus e minhas mãos

Os meus filhos gêmeos, Daniel e Mateus, desde cedo foram diagnosticados como intolerantes à lactose. Ou seja, não podem ingerir qualquer alimento derivado do leite bovino. Na verdade, acaba se extendendo a outras partes do bovino como a própria carne. Aparentemente, se trata de uma doença comum em crianças de diversas idades, sendo mais frequente em crianças e bebês mais novos.


Após consulta com um gastroenterologista pediátrico, onde foi diagnosticado a tal intolerância, descobrimos que eles poderiam ser alimentados com dois tipos de leite em pó específicos para isso. Um se chama Neocate e o outro, Pregomin. Existem outros tipos como o Alfaré, mas a melhor opção para eles seria o Pregomin, numa relação custo-benefício. Digo isso porque o Pregomin, em lojas especializadas e em farmácias específicas, custa a bagatela de R$ 262,60. E o Neocate custa cerca de R$ 570,00 a lata de 400 gramas. É claro que tem uns espertalhões que, mesmo depois da criança não ter mais necessidade de usar estes produtos, continuam pegando no município para revender e formar uma rendinha extra de forma ilícita. Então, nos sites de busca de preço encontra-se gente vendendo por cerca de R$ 60,00 a 85,00 a lata do Pregomin. Tem gente, claro, que apenas vende o que sobrou. Mas também tem gente que tem mais consciência e cede para quem precisa ou troca por outros tipos de leite em comunidades do Orkut ou em sites de ongs. E para minha surpresa não são poucas as pessoas que têm esse tipo de consideração com quem precisa.



Não somos pobres como muitos que vão exclusivamente em hospitais públicos, mas não temos condições financeiras de pagar cerca de três mil reais por dez latas de Pregomin a cada 3 semanas, que é a quantidade que eles consomem. E como pagamos todos os impostos em dia, não acho que estamos "dando golpe" no município ou nos favorecendo desnecessariamente. Aliás, pago mais impostos do que muitos dos que estão lá sendo atendidos. Então resolvemos procurar ajuda pelo município. E nos inscrevemos num programa onde é realizada consultas a cada 3 semanas em média e quando são doados pela prefeitura as latas de Pregomin necessárias para eles, até a próxima visita.


O local se chama Hospital Municipal Jesus e atende exclusivamente crianças. Se localiza em Vila Isabel, subúrbio do Rio de Janeiro.


Normalmente, quem vai lá para as consultas e reavaliações é a Raphaela, mas eventualmente, eu acabo indo também. Acho que eu fui umas três ou quatro vezes. E a cada vez que vou vejo situações tristes e desanimadoras com as milhares de crianças e bebês que lá frequentam, não por opção.


Ao chegar lá, o primeiro procedimento a ser realizado é a pesagem das crianças. Depois, dependendo do que for ser feito, consulta ou reavaliação, somos encaminhados para um consultório específico para o problema, no caso dos meninos, gastroenterologia. A médica avalia e faz a prescrição do leite que é retirado num almoxarifado-farmácia dois andares abaixo. Na verdade, como eles têm uma pediatra particular, a consulta se limita basicamente a avaliação de ganho de peso e desenvolvimento das crianças. Então, dentro do consultório não perdemos tanto tempo.


O meu problema com o hospital é o hospital. Explico. Sabe aquele programa de televisão chamado Monk? Pois é, é sobre um detetive que tem transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e tem misofobia (ou germofobia, ou seja, medo de germes). Tirando os exageros da série cômica, é mais ou menos o que eu sinto quando entro neste hospital. Aliás, na maioria dos hospitais, afinal, hospitais são lugares onde as pessoas vão quando estão doentes. Não necessariamente, mas num aspecto geral sim. Não tenho problemas de ir em lugares como Hospital São José ou na Perinatal, pois dificilmente iremos dar de cara com pessoas realmente doentes.


Já em hospitais, principalmente públicos, sei que as pessoas vão com as diversas doenças existentes num ser humano. Desde as doenças não contagiosas até as minhas mais temidas doenças infecto contagiosas e parasitárias. Tenho problemas com as diversas secreções, excreções e descamações que as pessoas eliminam por diversas formas. Sangue, pús, ranho, baba, meleca, suor, caspa, urina, fezes, suco gástrico, perdigoto, tudo isso para mim soa como algo muito ruim para a minha saúde, talvez, mais mental do que física. Mas como acabo somatizando tudo, então o que era mental vira físico em um piscar de olhos. Ah, isso me faz lembrar outra secreção, a oftálmica, ou lágrima. Ou remela, o que é pior. Daquelas amarelo-esverdeadas.


Numa das primeiras vezes que eu fui lá, eu vi uma criança que não sei precisar a idade dela, mas tinha os dois caninos inferiores mas nenhum incisivo. Ele dormia com a boca aberta talvez não por opção, mas acho que era assim mesmo que ele dorme. Do abdomen dele saía um tubo que ficava preso por uns curativos e o pai o alimentava através dessa sonda, conectada a um frasco, onde ele colocava o leite. Durante todo o tempo que estive neste dia, ele não acordou. Uma cena triste. No mesmo dia, ainda vi um bebê recém nascido no colo de uma senhora que tinha o tamanho da Tangerina* e uma pele acinzentada, muito magrinha...


Na última vez que fui, tinha um garoto com cerca de sete ou oito anos, magrinho também, mas que impressionava a sua pele. Ele tinha uma hiperqueratose em todo o corpo, além de uma descamação grossa no couro cabeludo, formando umas placas amareladas soltas no cabelo. A pele desse menino parecia que estava coberta de escamas escuras. Mas o garoto não parecia se incomodar com isso. Ele ficou o tempo todo no lugar onde as pessoas ficam esperando para serem atendidas brincando, desenhando umas figuras numa folha de papel. De vez em quando ia conversar com a mãe e mostrar o desenho, conversava animandamente com outras crianças da sua idade. Eu me senti realmente um monstro por ficar o tempo todo em pé olhando para onde ia, não querendo que ele chegasse muito perto de mim. Ele realmente nunca chegou perto de mim. Mas quando resolvi sentar com o Mateus no colo, uma menina resolveu querer mexer no pé do Mateus. E eu já tinha visto a pele dessa menina, que junto com mais duas meninas mais velhas que ela, tinham diversas lesões de pele, que elas ficavam o tempo todo se coçando. A mais velha tinha umas feridas no pescoço com placas de pús e sangue. E no braço também. Aliás, todas as meninas tinham lesões nos braços, perto do cotovelo. E se coçavam. Tanto que, quase imediatamente ela encostou nos pés do Mateus, eu me levantei fingindo ter visto algo extremamente importante, focando em algum ponto longe, depois fiquei enrolando. Certamente a mãe percebeu e soltou um comentário do tipo: - ih, ele não quer que você brinque com o bebê...


Uma das babás percebeu meu pânico, coisa que ela comentou depois, dentro do carro. Ainda, no hospital, tinham umas senhoras de alguma ong que distribuíam bananas e pacotinhos de biscoito tipo Club Social, mas genérico. Até era integral. A banana eu não aceitei, embora estivessem com uma cara melhor do que essas que a gente compra na feira. Quer dizer, eu não, porque odeio entrar em feira. O biscoito eu aceitei porque a senhora praticamente enfiou no meu rosto e fiquei com medo de recusar e apanhar na frente de todo mundo. Não comi, claro. Não por causa do biscoito, se não era um Club Social original e sim um genérico, mas por causa do lugar. Mesmo não encostando em nada dentro do hospital, não ia conseguir colocar nada na minha boca sem que antes pudesse lavar minhas mãos com algum sabonete (líquido) antisséptico por pelo menos uns 15 minutos. Então, a mesma babá que percebeu quando eu levantei com o Mateus para não deixar a menina mexer nos seus pés, acabou comendo o biscoito. Engraçado que na hora que as senhoras ofereceram os biscoitos e bananas, elas recusaram.


Esse foi o dia que estava mais cheio de pacientes. E pacientes com prováveis doenças infecto contagiosas e/ou parasitárias. Uma multidão com suas crianças doentes andando pra lá e pra cá aguardando o atendimento. Difícil não sofrer junto com elas, difícil ver crianças que deveriam estar brincando, se divertindo, sofrendo todas juntas num lugar insalubre. Bom, pelo menos insalubre para mim.


* Tangerina é a gata que mora na clínica e deve pesar dois Kg.

2 comments:

  1. Wow, that's heavy. Luckily, I haven't experienced what you described here, but I can only imagine. It's sad that these kids have to go through this and it's not their fault. Good luck with the special powdered milk.

    ReplyDelete
  2. Coitadas as crianças que tem que padecer de doenças sendo tao jovens.
    Que bom que você pudo conseguir leite especial para eles, mas sempre tem que consultar com algum profissional na área de gastroenterologia pediátrica

    ReplyDelete