Saturday, February 5, 2011

Bina

Eu sempre gostei de fotografia e câmeras fotográficas, como todo filhote de japonês. Antes mesmo de me formar em veterinária, já tinha comprado uma câmera profissional da Canon, de filme normal, pela loja B&H em Nova Iorque, mas por telefone. E me lembro da primeira vez que tinha visto uma câmera digital. Era uma Sony Mavica que armazenava as imagens em um daqueles disquetes de 3 e 1/2 com capacidade de 1,44 Mb de um professor mais geek da faculdade. E a primeira câmera digital que pude realmente manusear sozinho foi uma Nikon E 2100 que meu pai tinha trazido para a Raphaela. Uma câmera de apenas 2 Mp de resolução, mas que tinha uma qualidade de imagem muito boa. Aquelas coisas mágicas que a foto pode ser vista na hora em que era tirada, sem ser uma Polaroid. Como a câmera passava mais tempo comigo do que com a Raphaela, usava ela para fotografar tudo que via, já que não precisava mais revelar em papel para saber se tinha ficado boa ou não.

Para que estou falando sobre câmeras digitais sobre o assunto "Bina"? É porque, a Bina foi o primeiro caso que tinha fotografado com uma câmera digital.

Eu tinha um consultório veterinário com um sócio antes desta clínica que tenho agora. Um dia, um rapaz aparece na porta do consultório perguntando se eu era o Marcos André. Eu disse que meu nome era Marcos, mas não André. Ele falava ao celular com alguém e esse alguém confirmou que meu nome não era Marcos André (desde a época de estudante, a Renata sempre me chamou de Marcos André, não sei o porque), mas que era eu mesmo que deveria ser procurado. E a pessoa do outro lado se identificou como Renata, também veterinária do Exército, que eu tinha sido estagiário durante a minha graduação. Este rapaz, irmão da Renatinha, como a conhecia me pedia para ir atender com urgência uma cachorrinha da raça boxer de seis anos de idade de uma amiga que estava muito mal.

Era um histórico meio confuso, onde aparentemente uma cirurgia prévia tinha dado errado e justamente quem fez a cirurgia tinha sido meu ex sócio. Chegando à casa da mãe da proprietária, vi a boxer de nome Bina em pé, abandando o rabo freneticamente feliz em estar recebendo a visita do “tio” e de um estranho. Chegando mais perto, vi que um saco plástico estava atado na barriga dela, com um aspecto úmido, sanguinolento. Desamarrei o saco levemente e vi que dentro dele tinha uma parte do intestino dela, eviscerado por um orifício de origem cirúrgica. Como na casa da tal senhora pouco teria como fazer algo, removemos para o consultório para poder avaliar melhor a situação.

Já no consultório, com a ajuda da Raphaela, na época uma estagiária, retiramos o saco plástico e vimos que uma parte do intestino delgado estava eviscerado e como o orifício cirúrgico havia contraído, provavelmente por dor, já se encontrava com uma coloração arroxeada e com vários pontos de necrose.

Durante a avaliação, a proprietária mesmo chegou em prantos apenas para se despedir da amiga canina e viu ela em pé na mesa de atendimento abanando o rabo para ela. Sem entender direito o que se passava, iniciamos uma conversa que, em tese deveria ser demorada, mas não tínhamos um tempo hábil tão extenso e a única coisa que a Ana Paula queria saber era o quanto ela tinha de chance de sobreviver reoperando a Bina. Não tenho essa capacidade de responder isso, mas pelo aspecto clínico geral da Bina e do intestino dela, disse que seria em torno de 10 a 30% de chances. E ela topou submetê-la a outra cirurgia e levamos para a clínica do meu anestesista, onde seria realizada a cirurgia.

Durante o trajeto até o Jardim Botânico, onde é a clínica, fomos conversando e alguns pontos foram sendo esclarecidos. Cerca de uma semana antes, ela tinha sido operada pelo meu ex sócio de piometra (infecção uterina grave), diagnosticado por ele. E, no dia fatídico, ele tinha tirado os pontos externos da cirurgia. A proprietária levou a Bina para a casa da mãe dela onde tinha ficado até os pontos tirados possivelmente de forma precoce romper e eviscerar. A proprietária ligou para o veterinário responsável pela cirurgia e, mesmo sem ver a paciente, condenou-a dizendo que não teria mais jeito e que iria “sacrificá-la”. Mas que ele não poderia sacrificar naquele momento, pois estava em algum lugar longe e que iria resolver a situação lá pelas nove e meia da noite do mesmo dia. A Ana Paula, que é leiga, realmente achou que a cadela estava condenada, mas queria que fosse o quanto antes, pois não queria que a Bina sofresse mais. Foi quando o irmão da Renatinha me procurou. O diálogo com a Renata por celular foi mais ou menos a seguinte: Ela: “Marquinhos, como é a sua relação com seu sócio?” Eu: “a pior possível...” Ela: “ainda bem” e me explicou por alto o que havia acontecido.

Operamos a Bina e durante todo o procedimento cirúrgico, não houve qualquer alteração na qualidade da cirurgia nem da anestesia. Infelizmente, a parte do intestino que havia ficado garroteado para fora do abdome estava irrecuperável, com necrose, e houve a perda de cerca de 50 cm de intestino delgado.

Ela ficou cinco dias internada na própria clínica do anestesista, pois após um procedimento de enterectomia (retirada de parte do intestino) e anastomose (“reunir” o restante viável do intestino) é necessário um rigoroso controle alimentar para que essa união do intestino não seja rompida. E ela saiu bem. Saiu com meio metro a menos de intestino, com alguma deficiência em absorção de nutrientes, mas feliz como sempre foi. Aliás, feliz com humanos, mas uma fera alucinada com outros cães. E assim passaram-se quase oito anos. Uma cachorrinha magrinha, já com o focinho com pelos brancos dócil e simpática com humanos e nem tanto com outros quadrúpedes.
A Bina comigo oito dias após a nova cirurgia
Hoje, dia 5 de fevereiro de 2011, após uma semana sem se alimentar direito, sem conseguir se levantar mais pela idade e suas conseqüências, a Ana Paula trouxe a Bina para descansar em definitivo. A Bina não foi “sacrificada” como iria fazer o meu ex sócio, mas foi realizada a sua eutanásia. Com todo respeito e dignidade que ela merece. Ela viveu mais tempo do que tinha de vida quando aconteceu o fato. E a Bina foi encaminhada para cremação.
Bina com a Raphaela

2 comments:

  1. Gente, que linda essa história!!! Amei!!!!!!!!!!!!!

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  2. Marcos Andre !!(Rs)

    Me lembro deste dia como se fosse ontem, fiquei mto emocionado com seu relato .
    Mto obrigado pelo seu empenho!!!

    Abracos Marcelo.

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