Sunday, February 27, 2011

Reflexões sobre algumas coisas

Algumas coisas que a gente ouve falar ou vê em noticiários, jornais, revistas e outros meios de comunicação que deveriam servir para informar e não desinformar. Irrita-me profundamente quando algum sabichão vem para tentar colocar informações sem qualquer fundamento prático, lógico ou científico. Talvez por ser médico veterinário, talvez pela minha eterna curiosidade científica em diversas coisas mesmo as não relacionadas com a minha área de atuação ou trabalho.

Uma das coisas é quando dizem que se deixarmos a água da torneira aberta sem necessidade, por desperdício, a água do mundo irá acabar um dia. Não, não irá acabar a água do mundo. O volume de água existente no planeta Terra é constante e nunca irá mudar, a não ser que o mundo literalmente exploda. A água, como se sabe desde as aulas de ciência da segunda série do primeiro grau (sim, sou da época que tínhamos no ensino fundamental o primeiro grau, que ia da primeira série até a oitava, e a segunda, que ia novamente da primeira série a terceira, quando terminava o “científico” ou ensino médio) lá da tia Maricotinha que ensinava que a água existente nos mares, rios, lagoas e até das poças d´água na rua, com o calor, evaporava e virava nuvem. Essas nuvens se acumulam até saturarem e precipitavam em forma da conhecida chuva e esse ciclo continua indefinidamente. Lembro de um pequeno experimento que tinha no meu colégio, que era um grande aquário com terra e uma lagoinha no meio com algumas plantinhas em volta. Tudo isso fechado hermeticamente com uma tampa de vidro. E víamos que a água empoçada evaporava sob o sol e formava gotas de água que se acumulavam na tampa de vidro, que eventualmente pingavam de volta ao fundo do aquário.

Ou seja, a água não irá acabar na Terra. Eu entendi a mensagem que quem quer que seja tentou passar para evitar o desperdício, de que a água é um bem limitado e caro. Mas a água, repito, não irá acabar, mas se tornar escassa na forma potável. O não tratamento de esgotos domésticos e principalmente os industriais e hospitalares é que é o ponto crucial para que a forma usável e potável se torne escassa.

Outra coisa que me transtorna é a falta de conhecimento técnico e científico de alguns médicos, em especial os obstetras. Não são raras as vezes que alguma cliente que possui animais domésticos, em especial os gatos, perguntam como fazer para haver um convívio seguro entre gestantes e felinos.

O problema todo entre felinos e gestantes é a doença conhecida como toxoplasmose. A toxoplasmose é causada por um agente unicelular, um protozoário chamado Toxoplasma gondii que em gestantes pode causar má formação do feto, assim como outros problemas mais sérios incluindo o aborto e problemas para a própria mãe. O gato é o grande “vilão” nessa história toda, pois é nele que o parasita realiza o ciclo completo, ou seja, a forma assexuada e sexuada de reprodução. E é o gato que elimina nas fezes os chamados oocistos que são formas produzidas de forma sexuada de reprodução do parasita.

Porém, os oocistos eliminados pelos gatos, em geral quando filhotes, extremamente parasitados, imunocomprometidos e normalmente com diarréia, são os que devem ter uma atenção maior. Mesmo estes gatinhos parasitados, eliminam os oocistos por 10 a 20 dias. Estes oocistos são eliminados nas fezes em forma não esporulada ou não infectantes. É necessário de um a cinco dias, dependendo da umidade, temperatura e oxigenação ideais para se tornar esporulada ou infectante. Ou seja, mesmo que acidentalmente haja ingestão de oocistos recém eliminados pelas fezes de um gato, não irá causar qualquer problema relacionado à toxoplasmose. O que não quer dizer que não seja nojento e que não possa ter outras doenças como parasitoses intestinais por endoparasitos (traduzindo, verminoses). Alguns médicos dizem que pombos também eliminam oocistos pelas fezes, o que não é verdade. Qualquer animal de sangue quente pode se infectar com o toxoplasma, mas quem elimina nas fezes, efetivamente, são os gatos nas condições citadas acima. Aparentemente, os caprinos podem eliminar a forma de taquizoítas pelas fezes, mas não acredito que alguém na cidade tenha uma cabra ou um bode em casa. E se tiver, evite o contato com as fezes, como seria com os dos gatos.

Por várias vezes, tive que ouvir de clientes que têm gatos dizerem que estão grávidas e que o(a) médico(a) obstetra ordenou que se livrasse imediatamente do pobre felino que mora com a mulher há anos, estando com vermifugação e vacinas em dia, sem qualquer sinais de doença relacionados a toxoplasmose. E a minha resposta a pergunta inevitável: - “doutor, o que eu faço? A doutora mandou sacrificar o meu gato!” será sempre a mesma: mude de médico.
Pior, quando alguém tem um cão e a “dotôra” manda se livrar dele por conta da toxoplasmose. Ou seja, provavelmente essa profissional faltou às aulas de doenças infecto contagiosas (DIC) e de doenças infecto parasitárias (DIP). Desde quando um cão é capaz de transmitir a toxoplasmose? A não ser que o proprietário resolva ingerir o cão como um sashimi canino (admitindo-se claro, que o cão esteja com toxoplasmose), a saliva ou as fezes do cão NÃO IRÃO SER FONTE DE INFECÇÃO DE TOXOPLASMOSE.

Engraçado é que estes mesmos doutores esquecem de avisar a gestante que a forma mais fácil de se infectar com o toxoplasma é através da ingestão de carne mal cozida, em especial a carne suína. Mas também a bovina. Não comer carpaccio ou aquela picanha suína mal passada pode ser mais perigoso do que ter um lindo gatinho saudável.

Isso não quer dizer que as gestantes se tornem displicentes com a higiene básica, principalmente as que têm gatos. Lavar as mãos sempre que mexerem nos bichanos com água e sabão, principalmente antes de pegarem em comida ainda continua sendo algo muito importante para sua saúde e para o bebê que está por vir. Além de ser nojento comer qualquer coisa com pelos. Evitar beijar o gatinho, por mais fofinho e irresistível que ele possa ser também faz parte da sua segurança. E o mais importante, evitar trocar a caixa de areia, que, se limpa uma a duas vezes ao dia, a chance de se infectar por toxoplasma se torna mínima. Deixe essa tarefa para o pai da criança ou para a doméstica. E mesmo que seja uma mãe solteira, sem ninguém além do gato e da criança que está por vir, troque pelo menos uma vez ao dia e use luvas, dessas amarelas grossas que vende em supermercados. E depois disso, lave bem as mãos com água e sabão. Beba água filtrada e se possível, fervida. Leite apenas pasteurizado. E durante a gestação não coma carne crua ou mal passada. Esqueça aquela carninha de churrasco do cunhado na laje que está pingando sangue e mugindo, que ele comprou naquele açougue que vende carne baratinho, de origem duvidosa.

Para as mulheres gestantes mais neuróticas que tenham gatos, pode-se solicitar uma sorologia do próprio felino para titulação de anticorpos anti-toxoplasma, para saber se o bicho já teve algum contato com o parasita. Um site bem resumido está aqui: http://www.health.vic.gov.au/ideas/bluebook/toxoplasmosis

Lembro que uns anos atrás uma famosa atriz global já bem velhinha morreu em decorrência da toxoplasmose. Aí, começaram os questionamentos sobre a tal doença, que matou a tal atriz. Se até uma atriz global poderia morrer por toxoplasmose, o que dirá a nós, meros mortais. Mas sabendo do histórico das condições onde a atriz morava, era meio que óbvio que isso poderia acontecer. A atriz tinha dezenas de gatos morando em um apartamento completamente insalubre, sem o menor controle de entrada de novos gatos e todos misturados (adultos e filhotes) urinando e defecando pela casa toda. Infelizmente, os desavisados impressionados com a história acabam por disseminar um preconceito contra animais que levam a fama apenas porque neles o ciclo se torna completo do parasita.

Mais tempo atrás, um médico tinha dado uma entrevista na revista Veja dizendo que a toxoplasmose era transmitida através da saliva do cão infectado! Meu Deus, onde será que este senhor estudou? Ou melhor, não estudou? Ou se estudou, aprendeu errado?

Aos médicos que se sentiram ofendidos por este post, por favor, antes de qualquer coisa, pesquisem, leiam livros, leiam periódicos científicos, procurem no Google, se for preguiçoso, mas tenham embasamento antes de virem com pedras na mão pra discutir comigo. E os veterinários que passam pelos mesmos questionamentos pelas gestantes, usem os seus conhecimentos e citem literatura científica para provar o seu ponto e não se intimidem.

Ah, e gato preto não dá azar.

Assistindo o Fantástico do dia 27 de fevereiro de 2011, sobre desvio de dinheiro público em cidades da região norte, mostrou um lixão onde é depositado até lixo hospitalar e de pessoas que acabam se machucando por causa de agulhas de seringas utilizadas em pacientes de hospitais com deus-sabe-lá-o-que-pode-ter. E num determinado momento, o médico infectologista diz que uma agulha dessas pode até transmitir o vírus do HIV para alguém. Como médico infectologista deveria saber que o vírus do HIV é um vírus extremamente frágil quando fora de um organismo vivo. Sua sobrevida em restos hospitalares como um sanguinho dentro de uma seringa é de apenas alguns minutos, quiçá horas, dependendo da quantidade de material orgânico onde se encontra (normalmente sangue). Ou seja, naquelas montanhas de seringas com agulhas cheias de lama, sujeira de dias, semanas e até meses, o vírus nunca irá sobreviver para infectar algum incauto que se fure com essas agulhas. E no final das contas, mesmo a hepatite c citada pelo médico, é também de difícil infecção, pois no ambiente externo consegue sobreviver por horas até no máximo quatro dias. E se esqueceu de falar de uma doença grave que é o tétano, causado por um bacilo, o Clostridium tetani, que esse sim, sobrevive e prevalece em diversos materiais como metais enferrujados, terra, vidro etc. E o infectologista não citou.

É claro que o lixo recém dispensado de forma incorreta ainda pode conter formas infectantes de HIV, hepatite B e C e outras doenças, logo, o cuidado é fundamental, não importando se é em área de gente de bom poder aquisitivo ou nos lugares em questão da reportagem onde o lixão é em frente à casa de uma senhora. Mas a má gestão pública em questão não é o assunto aqui.

Falando em HIV também me irrita quando algum idiota fala que “homem não pega AIDS de mulher”. Claro que pode haver infecção de mulher para homem. Menos provável do que o contrário, do homem para a mulher, mas biologia não é ciência exata. E existe sim a chance de contágio. Então, deixa de ser imbecil e para de dar chance ao azar. Encapa o bilau e pronto.
Alguns anos atrás rolava na internet um texto alarmante de uma suposta vítima que teria sido infectado com o vírus do HIV, ao sentar numa poltrona de cinema onde algum malvado teria colocado estrategicamente uma seringa com sangue de soropositivo. Ao se sentar, teria injetado o sangue e essa pessoa ainda leria um bilhete dizendo que ele agora seria um HIV positivo. Lenda urbana. E aliás, pra alguém conseguir colocar uma seringa em pé numa poltrona de cinema, junto com um bilhete dizendo que o cara se fufu, é realmente não ter qualquer noção de como se portar dentro de um cinema. Isso tanto pra quem colocou quanto pra quem sentou sem olhar antes. Também ninguém vai ser convidado para uma festa cheia de mulheres esculturais dando mole e depois acordar numa banheira cheia de gelo num quarto de hotel sem os rins, depois de levar um “boa noite, cinderela”.

Acorda!

1 comment:

  1. post bacana, bem informativo. Mas você escreve textos muito grandes...rs

    ReplyDelete