Thursday, September 9, 2010

Ainda sobre o Dia do Médico Veterinário...

Reproduzo aqui na íntegra um ótimo texto do saudoso Bussunda sobre veterinários e dentistas, publicado na Revista do Provão, de 1998.



CAVALO DADO

 "Veterinária e odontologia têm mais coisa em comum do que a gente costuma imaginar. Por que um sujeito decide ser veterinário? Evidentemente, pelo amor aos animais. Amor no verdadeiro sentido do termo; dificilmente alguém escolherá seguir a carreira por causa de um envolvimento passageiro com um animal, na adolescência. Mas o que isso tem a ver com os dentistas? Ora, se um cidadão resolve ser veterinário por amor aos animais, por que será que alguém resolve ser dentista? Só pode ser por ódio aos seres humanos! Só o sadismo e o desprezo ao próximo podem explicar por que é que uma pessoa escolhe como profissão submeter seus pares a uma sessão de tortura com brocas, alicates e outros instrumentos medievais. Mas eu não estou aqui para fazer juízo de valor sobre as motivações de cada um na sua escolha profissional, pelo contrário, quero ajudar no que for possível.

 Neste sentido, apesar de já ter sido chamado de elefante e hipopótamo algumas vezes e de ter sido “devolvido” ao alto mar por um grupo de ecologistas, na última vez que tentei ir à praia, não há muita coisa que eu possa fazer pela veterinária. A não ser o que já faço, que é tratar bem a cachorra da minha cunhada e a cobra da minha sogra...

 Mas, com relação à odontologia, a coisa muda de figura. Sou um grande benemérito da profissão, desde que resolvi ceder minha arcada dentária para experimentos científicos de todo tipo. O uso alucinado de balas e outros artefatos açucarados durante toda a infância me fizeram um dos maiores freqüentadores destes templos do prazer sádico na história da humanidade. Outro motivo foi o fato de, durante uma boa parte da minha vida, ter achado que a escova de dentes era apenas um instrumento de dominação do poder paterno. Quanto ao fio dental, não me adaptei até hoje. Sei lá, sentar na areia, com aquilo, me dá agonia.

 Com tanta experiência, me sinto no direito de fazer algumas observações que podem ser de muita utilidade para quem deseja seguir a profissão. Por exemplo: não sei se, por solidão ou para acentuar o efeito sádico da sessão, alguns dentistas insistem em contar piadas a seus clientes. É uma prática perigosa, que deveria ser proibida pelo Ministério da Saúde. Em primeiro lugar, pela covardia; afinal, a gente está lá, cheio de ganchos na boca, sem a menos condição de dizer: essa eu já conheço há 25 anos! Mas, principalmente pela falta de cuidados com a suscetibilidade do paciente. Sempre que precisar contar uma piada, o dentista deve dizer: “essa vai doer” ou então, “se doer, levanta a mão que eu paro”...

 Outro problema que a odontologia precisa resolver é o da anestesia. É certo que ninguém gosta de sentir dor, e a anestesia é mais que necessária, mas será que a gente tem mesmo que se submeter àquelas agulhas que acabam anestesiando até o cérebro? Tive uma experiência trágica com isso. Mesmo estando um pouco gripado, precisei ir ao dentista. Sentia uma dor naquele dente bem da frente, que os estudantes devem saber o nome ou então não têm a menor chance de se dar bem no Provão. Pois bem, o sujeito me deu uma anestesia que começava no lábio superior, passava pelo nariz e pelos olhos e acabava no meio da testa. O tratamento foi bem-sucedido, pois não senti nada. Ao voltar para casa, percebi que, no ônibus, todos me olhavam e faziam uma cara de repulsa. Como não tinha me olhado no espelho, imaginei que o cara tinha feito um estrago na minha boca, que deveria estar muito inchada para provocar tanto espanto nos outros passageiros. Creditei aquilo à anestesia. Só fui ter a real dimensão do problema quando alguma coisa saída do meu nariz bateu na ponta do queixo, livre do efeito anestésico. Pagar esse mico me deixou traumatizado e me fez fugir dos consultórios dentários por muitos anos. Portanto, senhores futuros dentistas, lembrem-se: antes de anestesiar o nariz de um cidadão, perguntem se ele não está gripado...

 Mas há duas perguntas que atormentam os brasileiros neste final de século e que devem ser respondidas após uma ampla discussão. A primeira: se o craque Edmundo for acometido por uma forte dor de dente, deve consultar um dentista ou um veterinário? A segunda é mais filosófica, mas não temos mais condições de conviver com essa dúvida: afinal, a cavalo dado, se olham os dentes ou não? Com a palavra, os futuros dentistas e veterinários."

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